sábado, 3 de julho de 2010

Perfume

Quando senti

foi assim, assim

Surgiu vento

brando pra cuidar

de mim


velho velejando!

- Inventas!

Vindo em viagem!

- em Brumas!

Soprou:

Reverberai por mim!


Olhos, lágrimas,

Mares, ares,

Tormentas, Calmarias

Em meu peito

Doloridas colmas

Acalantadas e o fim


Nos olhos tristes

Nas invenções e suspiros

E a saudade branca

na lapela e essência

do sem-fim.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

O passo dado mais tarde

Meus pés já não podem mais caminhar, estou cansado. Estou caminhando, caminhando escuro, estou vivendo o terror de me ser e estar só comigo mesmo. Não posso mais ver, acho que só sei sentir, acho que nem sei mais ver, mas tenho certeza de que estou enxergando o escuro. E no nada, de tão escuro, eu sou e agora estou. Sinto o meu corpo, meu coração a bater; acho que estou vivo; sei que não estou cego, mas sei sem bem saber.

Há horas estou caminhando e onde estão as pessoas? Elas desapareceram? Será que o mundo acabou? Não, não acabou, mas acho que eu também não morri. Será que essa treva é a morte? Será que estou no vale da sombra da morte? E se estou, porque estou temendo o mal, se ainda acredito no Deus, ao qual eu nunca me arrisquei?

Só peço que no fim de tudo eu me livre de mim e do mal e talvez do bem. Seria talvez este momento impuro e escuro o juízo final? Seria a luta entre o bem e o mal? Ou talvez a luta entre o mal e o mal ou do bem contra o bem ou entre o bem e o mau? Mais uma vez não sei; tudo o que posso e faço é sendo um quase sem forças, continuar caminhando em direção ao não sei o que.

Preciso dizer aquilo que por fraude não poderia, mas devo, pois também me considero “eu corpo palavra”, sim, talvez eu só haja agora no corpo e palavra, da palavra. Por que falarem palavra se não as vejo no escuro? Se elas, nem ninguém, inclinam o seu ouvido para atender-me? Se até a luz que um dia me houvera sido dada foi agora tomada de volta? no mistério da eterna noite ainda caminho, embora haja tropeços, mas ainda aparentemente estável estou aqui.

Profundo mar da noite

Notáveis são minhas olheiras

Notável o meu pesar

Até quando ficarei,

Meu Deus!

Com os olhos abertos

Perdidos no mar


Cansado de caminhar estou

Sem ter forças para andar

Sei que não mais ficarei,

Adeus!

Vou deixar os meus olhos

Largados no mar


Agora eu já deitado estou

Numa cama que há muito

me foi preparada.

Tu também vais dormir

um dia,

mas a tua vida já está guardada.


Teus olhos se encontrarão

com os meus

no meio da noite

no fundo do mar,

mar sem alegria.


Teus olhos descansarão

nos meus,

eterno naufrágio,

no fundo do mar,

mar sem agonia.

Fragmento de um romance inacabado

A melhor bondade é a da entrega total e neutra. De tudo que eu aprendi, o melhor foi o neutro. O neutro não é o nada. O nada é muito pouco ou quase não é, mas o neutro não. O neutro contém tudo, mas num equilíbrio tão perfeito, sublime e belo que se chama neutro.

Quero neutralizar-me em ti, ó tu que me angustias por não permitir e ter medo que vivamos o fulgor da alegria.

(...)

A vida grita em mim com uma vontade imensa de viver tal qual a cigarra que injustamente é julgada por cantar. Pobre cigarra. Ela não queria nada. Apenas alimentava a bondade em si. Tudo que ela queria era cantar, e cantava. Mas cantava porque gostava de cantar e só. Queria que sua felicidade não fosse só para si. Queria que também a pobre formiga que trabalhava tivesse o cansaço aliviado pela beleza de sua canção. Mas ela não foi compreendida; Mal interpretada. E foi punida pela tola humanidade da formiga, que se julgando tudo era nada e desprezou o neutro.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Ainda fomos felizes

(umas fotografias)

Houve um tempo em que eu acreditava que a fotografia era capaz de guardar os instantes e nos fazer jamais nos esquecermos de quem amamos e dos momentos felizes que vivenciamos.
Em toda a minha vida, atribulada e atroz, houve um único momento de felicidade, sim, naquele dia e somente nele soube qual era o verdadeiro efeito e eficácia da felicidade.
Cada momento registrado, gravado em um filme, um rolo de 36 poses. Ah! mas a perfídia humana. Por um desentendimento houve quem não quisesse preservar o sublime daquele momento; eu, fotógrafo que sou, tirei o filme da máquina e iniciei o processo de revelação... Ah! mas que perfídia, como eu pude ser tão tolo. Saí por um instante, sem pensar muito bem no que iria fazer ... foi tudo planejado ... o telefone tocou, me tiraram de casa, entraram em minha casa e queimaram todos os meus negativos ... como tudo isso aconteceu? - não importa! É inverossímil, bem o sei, mas creia se quiseres.
O que importa é que apagaram tudo, cada imagem, cada momento, cada caco de alegria que compunha aquela minha felicidade, tudo devorado, completamente estilhaçado e informe. A felicidade é impossível. A alegria é difícil, mas a felicidade, esta não, esta é impossível.
Tentava me lembrar dos momentos de alegria, mas não conseguia, era a felicidade se me escapando por entre os dedos. Inútil tentar conservar, se somos devorados e desmoronamos, pensei. Pior que isso, inútil acreditar na bondade humana, não há bondade, nem sequer amor; só restei eu e só.
Que imensa maldade, que pretensa sensação de poder. Aquele que fotografa é semelhante ao profeta, anuncia o futuro. A fotografia é o prenúncio de um passado para o futuro.
Fui entendendo pouco a pouco que "ser" é isto. É não se importar com o perder, é não matar para ganhar. Apenas viver, é isso.
A fotografia é um esforço para não perder, uma tentativa de ganhar a imortalidade.
Hoje me lembro das flores do jardim de minha casa. Havia uma grama, uma grama densa e macia. Havia também girassóis; girassóis vermelhos. Havia um laranjal, bananeiras e uma galinha, sim uma galinha que nos botava ovos.
Hoje quando vejo o Shopping Futuro Mall no mesmo lugar onde era o quintal da minha casa me pergunto onde está a felicidade. A felicidade era o meu quintal.
Mas ainda fomos felizes, acho. Ainda fomos porque as fotos não mais existem, mas penso que assim como o meu quintal, elas, queimadas, ficarão acesas para sempre na intocável lareira que há no meu peito.

Realejo

E quando eu vi
já não era infeliz
nem havia o medo
nem havia a dor.

Só havia o tempo
deslizamentos de terras
temporais
tempestades
e eu
e só.

Só havia o Deus
e essa pretensa sensação
do Amor
e do fogo
que arde
e do gozo
que não se vê.

E quando eu vi
já não era eu
nem mais havia
meus amigos
meu calor.

E quando eu vi
era só o retrato
de uma vida perdida
encontrada
morta vivida e
ressuscitada.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Ó Morte, onde está a tua vitória?

Ela levou um tiro. Ela chora, eu grito. Se contorce, sangra, multidão, seus olhos permanecem abertos, a vida em seu peito não. Ela se foi, deixou-me, pobre e escritor, homem entregue ao vento e à dor, só no mundo e permaneço aqui. Onde habita a alegria do mundo? Qual é o verdadeiro efeito e eficácia da felicidade? Mineirinho é assassinado, com treze tiros no peito, quando só bastava um, a criança é assassinada, brutal e friamente, a empregada é confundida com prostituta e assassinada, o índio, o negro pobre e trabalhador que mora na comunidade, minha mãe também, minha mãe também foi assassinada, todo mundo, todo mundo, menos eu, logo eu que não me chamo Raimundo, que empobreço a rima sem criar uma solução. Não, não há solução! Só há a dor do sentimento do mundo que habita na pequena grandiosidade do meu coração. Hoje estou vazio e só, e sinto saudades das mirongas da minha avó, que também partiu, Tia Ló, também se foi, - quando? ninguém viu. Agora, como que num espasmo, silencioso e raso, tenho medo de perder a poesia que só a vida nos dá. Cai a tarde, mais um vez, até quando? De angustiado passo a aliviado e me sinto confortado por estar casado - desde o princípio, desde que eu participo, até a infinutude do finito - com a pena vil que me acompanha e que me perderá num dia funesto, sem tarde e sem sol, bem no fim da tarde, gravado no lápide que a poesia em mim persistiu, resistiu e prevalece, permanece.