sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Ainda fomos felizes

(umas fotografias)

Houve um tempo em que eu acreditava que a fotografia era capaz de guardar os instantes e nos fazer jamais nos esquecermos de quem amamos e dos momentos felizes que vivenciamos.
Em toda a minha vida, atribulada e atroz, houve um único momento de felicidade, sim, naquele dia e somente nele soube qual era o verdadeiro efeito e eficácia da felicidade.
Cada momento registrado, gravado em um filme, um rolo de 36 poses. Ah! mas a perfídia humana. Por um desentendimento houve quem não quisesse preservar o sublime daquele momento; eu, fotógrafo que sou, tirei o filme da máquina e iniciei o processo de revelação... Ah! mas que perfídia, como eu pude ser tão tolo. Saí por um instante, sem pensar muito bem no que iria fazer ... foi tudo planejado ... o telefone tocou, me tiraram de casa, entraram em minha casa e queimaram todos os meus negativos ... como tudo isso aconteceu? - não importa! É inverossímil, bem o sei, mas creia se quiseres.
O que importa é que apagaram tudo, cada imagem, cada momento, cada caco de alegria que compunha aquela minha felicidade, tudo devorado, completamente estilhaçado e informe. A felicidade é impossível. A alegria é difícil, mas a felicidade, esta não, esta é impossível.
Tentava me lembrar dos momentos de alegria, mas não conseguia, era a felicidade se me escapando por entre os dedos. Inútil tentar conservar, se somos devorados e desmoronamos, pensei. Pior que isso, inútil acreditar na bondade humana, não há bondade, nem sequer amor; só restei eu e só.
Que imensa maldade, que pretensa sensação de poder. Aquele que fotografa é semelhante ao profeta, anuncia o futuro. A fotografia é o prenúncio de um passado para o futuro.
Fui entendendo pouco a pouco que "ser" é isto. É não se importar com o perder, é não matar para ganhar. Apenas viver, é isso.
A fotografia é um esforço para não perder, uma tentativa de ganhar a imortalidade.
Hoje me lembro das flores do jardim de minha casa. Havia uma grama, uma grama densa e macia. Havia também girassóis; girassóis vermelhos. Havia um laranjal, bananeiras e uma galinha, sim uma galinha que nos botava ovos.
Hoje quando vejo o Shopping Futuro Mall no mesmo lugar onde era o quintal da minha casa me pergunto onde está a felicidade. A felicidade era o meu quintal.
Mas ainda fomos felizes, acho. Ainda fomos porque as fotos não mais existem, mas penso que assim como o meu quintal, elas, queimadas, ficarão acesas para sempre na intocável lareira que há no meu peito.

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